terça-feira, 8 de março de 2016

Pelo fim do escolacentrismo


Uma sala repleta de pais, mães, professores…
  Uma reunião de pais na escola.

Praticamente todas as escolas e redes de ensino fazem reuniões de pais e promovem debates sobre as mudanças sociais que afetam as crianças, jovens e consequentemente escolas e famílias. Nessas ocasiões apresentam seus projetos pedagógicos, falam de seus planos e, algumas vezes, chegam a convidar palestrantes para esclarecer sobre o perigo do envolvimento com drogas, o risco de uma gravidez precoce, a dificuldade de impor limites e manter a autoridade do adulto etc. Às vezes, as reuniões são organizadas de forma mais lúdica, com técnicas de dinâmica de grupo para que as pessoas se sintam mais acolhidas. Mas, na medida em que a escola defende seu lugar de protagonista e abre poucos canais de escuta sobre o que os pais têm a dizer, esse acolhimento fica num nível muito superficial. 

Não estou negando a importância desse tipo de atividade, mas é importante também analisar alguns de seus limites. E este é justamente o ponto principal desta reflexão. Sentar numa carteira escolar para ouvir de um docente os planos e projetos para o ano letivo em curso está muito distante de ser considerado interação família-escola.

Mas, o tempo muda e com ele também o posicionamento passivo-apático dos pais. Já não é mais vista com bons olhos uma reunião onde o monólogo impera, onde o pai que questiona a proposta e implementação de um projeto, que não foi sequer discutido anteriormente, é rotulado como “problemático e indesejado”.  Estamos no século XXI, não na Idade Medieval. Nossa conjuntura atual não admite a ideia da escola como detentora absoluta da razão. Isso ficou para trás. O novo milênio trouxe com ele a propagação da necessidade latente de interação entre esferas sociais, como pressuposto para construção de um futuro mais igualitário, menos excludente e mais democrático. 

Assim sendo, não é aceitável que um profissional da educação minimize a participação familiar no âmbito escolar, ironizando ou desvalorizando questionamentos familiares ou que se coloque na defensiva, rebatendo as críticas efetuadas, sem analisar ou mensurar as raízes dos problemas ali expostos pelos genitores.

Muitas escolas propagam, voluntária ou involuntariamente, a ideia de que educar é ter por base a suposição de que famílias são omissas em relação à criação de seus filhos. Essa “omissão parental” que alguns autores nomeiam como um mito, aparece reiteradamente no discurso dos educadores como uma das principais causas dos problemas escolares. Esse tipo de explicação incorre numa inversão perigosa de responsabilidades: uma coisa é valorizar a participação dos pais na vida escolar dos filhos; outra é apontar como principal problema da educação escolar a falta de participação das famílias. Duas coisas totalmente divergentes.


Uma reunião pode ter vários elementos, mas, dependendo da sua condução, pode aumentar a distância entre os participantes ou abrir canais de diálogo. A reunião poder ser marcada no horário de conveniência da escola, sem consultar a disponibilidade dos responsáveis, ter como conteúdo mensagens que a escola quer passar aos familiares, independentemente de qualquer tipo de demanda destes, e a dinâmica pode ser os profissionais da educação falarem e os familiares escutarem. Nesses casos, os cuidados com acolhimento e participação são pequenos e, constantemente, podem acontecer situações nas quais os pais se sentem excluídos. A equipe escolar, ao fim desse tipo de encontro, só sabe o que quis dizer e não o que foi compreendido pelas famílias. A consequência é continuar trabalhando com suposições sobre as famílias, sem ter avançado no conhecimento sobre elas e muito menos na construção de uma agenda de colaboração mútua. 

Muitas escolas frequentemente representam as famílias como uma extensão de si mesmas, sem perceber as diferenças de lógica de um espaço a outro. Esse traço, de colocar a lógica da instituição escolar no centro do diálogo, é chamado escolacentrismo e costuma impedir que os agentes escolares escutem e compreendam o ponto de vista das famílias. Desta forma, torna-se comum encontrarmos atitudes como estas:

• Os professores sentem-se incomodados quando os pais opinam na área que julgam de sua competência exclusiva. Não veem importância ou não acreditam que as famílias possam participar dessa relação de contornos mais pedagógicos. 

• Educadores culpam a família pelas dificuldades apresentadas pelos alunos e alunas. É comum ouvir: a mãe não se preocupa, abandona o filho, não estabelece limites em casa. 

• Professores criticam os pais (principalmente as mães) por não ajudarem no dever e nos pedidos da escola, ignorando as mudanças do papel da mulher na sociedade. Assim, o aluno que se apresenta sem o apoio do adulto é desprestigiado em sala de aula e tende a piorar seu rendimento. 

• Diretores, coordenadores e docentes desqualificam aspectos da cultura familiar sem sequer conhecer o sentido das práticas, o espaço e a rotina familiar. 

• A escola persiste com atividades dirigidas a modelos de famílias tradicionais, apesar das mudanças na sociedade. 

• A escola mantém a mesma rotina de reuniões, oficinas, palestras e atividades, sem consultar os pais sobre temas de seu interesse, necessidade e horários adequados. 

Tudo que corrobora para ideia de minimização da participação familiar.

A participação dos pais no sistema educacional, como toda participação social equivalente, tem dupla perspectiva: colaboração e controle. Com a primeira se potencializam os recursos e as ações da escola, enquanto a segunda estimula a melhora de qualidade da educação escolar. 

Respeito e compreensão devem ser os princípios de uma boa relação de parceria. Além disso, é de suma importância a necessidade de diálogo constante para que os pais tenham a oportunidade de manifestar dúvidas e insatisfações. A escola deve buscar ampará-los em suas expectativas e, com eles, fazer constantes reflexões.
Não se pode discutir escola sem ouvir os pais. Isso não se chama construção. O nome disso é ditadura!


"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas."
Rubem Alves *


Rubem Alves (1933-2014) foi teólogo, pedagogo, poeta e filósofo brasileiro. É autor de diversos livros, sobre diversos assuntos, entre eles, filosofia, teologia, psicologia e histórias infantis.

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